O que houve de errado com o Qualis da Economia?
Eu fui um dos organizadores do abaixo-assinado contra o Qualis da Economia.1 Mais de 700 pessoas assinaram e rendeu até uma matéria da Folha. Pesquisadores de todo Brasil, vários radicados no exterior e das mais diversas subáreas manifestaram a sua insatisfação. Houve uma resposta do comitê de área, mas que não trata das questões fundamentais do abaixo-assinado.
Como sabemos que não se trata apenas de uma rinha adolescente dos pesquisadores contra o Qualis? Ora, basta ver a classificação. A prova do pudim está em comê-lo, dizem os americanos (em inglês, eu imagino).
Há duas fontes conhecidas de problemas:
Distorções contrabandeadas: essas decorrem da decisão da Capes de ter um Qualis único para todas as áreas do saber. Assim, se um journal é mal classificado por uma área-mãe, esse erro é importado para a Economia. Foi isso que fez com que periódicos nacionais bem fraquinhos levassem A1, a nota máxima.
Distorções nacionalistas: O Qualis também recebeu críticas por ser generoso com os periódicos nacionais frente aos internacionais. Há argumentos para defender que os nacionais ganhem algum bônus na avaliação. Essa é uma discussão antiga e sem fim.
Eu não tratarei aqui dessas distorções. Destacarei algumas aberrações criadas pela área de Economia. Como a Capes não liberou lista de journals e suas áreas-mãe, tive que me limitar àqueles que deveriam, por qualquer critério sensato, estar na área da Economia. E utilizarei como base de comparação o ranking Repec, que se baseia em uma combinação de medidas bibliométricas. É imperfeito, mas é o que tem para hoje.
Distorções gringas:
A Revista da Cepal levou A1, a nota máxima, e está na 951a posição entre os journals da Economia no Repec. Enquanto isso, revistas como Oxford Economic Papers levou A2, Journal of Public Economic Theory , A3 sendo que ocupam as posições 121 e 311 no Repec. (Vejam o primeiro número da OEP de 1939: Harrod, Hall & Hitch e Shackle).
A classificação do Panoeconomicus é um erro tão gritante quanto a cena do banheiro do Psicose. Trata-se de um journal sérvio (not that there 's anything wrong with that) muito discreto, que ocupa a posição 526 no Repec e levou um belo A2, uma nota bem acima de journals bem mais importantes. Por exemplo, o azarado Journal of Public Economy Theory, 311o no Repec, levou um A3.
Um tal de Journal of Economics and Political Economy, publicado na Turquia e na posição 1504 no Repec, ganhou um honroso A3. Não, o Acemoglu nunca publicou lá.
A desconhecida Semestre Economico, publicada pela Facultad de Ciencias Económicas y Administrativas de la Universidad de Medellín, ganhou A2 e ocupa a posição 2649 (!!!!) no Repec. Enquanto isso, a Review of Black Political Economy (1140 no Repec) caiu para B1.
Distorções Made in Brazil:
A Planejamento e Políticas Públicas (PPP) e a Pesquisa e Planejamento Econômico (PPE), as duas principais revistas do Ipea, levaram B1. Como eu fui editor da PPP, vou focar na PPE. A revista tem mais de 50 anos e vários clássicos da economia brasileira foram lá publicados. Vejam a o número mais recente. Vocês podem dizer: "OK, mas a revista tem mesmo que ficar abaixo das internacionais". Bem, mas o que explica a PPE atrás da gaúcha Indicadores Econômicos FEE (A4) e empatada com a nobre Revista do Núcleo de Estudos de Economia Catarinense?
Várias revistas nacionais pularam para A1 de uma classificação da anterior para a atual. A Economia (Anpec) , Estudos Econômicos, Revista da Sober e REP deram esse salto. Já a clássica RBE, com 70 anos nas costas, e a ótima Economia Aplicada ficaram de fora e só chegaram a A2 e A3, respectivamente.
Certamente, há muitas outras distorções. Eu só listei aquelas que fizeram a minha pressão sanguínea subir ao menos 50 mmHg.
Obviamente, não há a menor possibilidade de que tenha havido tentativa de manipulação ou politicagem dos que elaboraram o Qualis da Economia. Contudo, erros acontecem. Pode ser que a decisão da comissão em dividir em subáreas tenha gerado os problemas de classificação ou mesmo erraram uma fórmula de Excel. No dia em que as memórias de cálculo forem tornadas públicas, será possível entender o que aconteceu.
O fato inegável é que um grupo grande e bem diverso da academia viu a classificação e pensou “Que diabos aconteceu?!?!!?”.
Sim, sim… tecnicamente, não há “Qualis Economia”. Há só um. Contudo, todo mundo usa a expressão para designar o Qualis referente aos journals que foram incluídos nessa área de avaliação.