[ALERTA: Navalhadas de Ockham e simplificações irresponsáveis foram distribuídas generosamente no post. Cuidado]
No razoável filme Yesterday, o protagonista cai em um universo paralelo em que os Beatles nunca existiram. Ele, claro, faz sucesso tocando os clássicos da banda. Agora, imagine que toda a música pop desapareceu hoje de manhã. Não só não temos sua memória, como os CDs, LPs, cassetes e MP3 sumiram. O Spotify só nos oferece podcasts. Pior ainda: todos os músicos com mais menos de 30 anos perderam o talento. Keith Richards e Paul McCartney não entendem o porquê são tão ricos já que nem sabem assobiar.
Sem referência, o público e a crítica considerariam artistas jovens, os que ainda têm algum talento, como grandes gênios da música pop. Gente tão fraquinha quanto uma Olivia Rodrigo, um Shawn Mendes ou Harry Styles passariam a ser grandes gênios. Afinal, eles só concorreriam apenas entre si e não mais com os inexistentes Prince, Michael Jackson ou Bowie. Seria um terrível distopia.1
Agora, pense em um mundo completamente oposto. Um em que toda a música esteja disponível a preço zero. É o mundo em que vivemos. A inovação tecnológica fez com que tivéssemos toda a história do pop mundial a um clique de distância no Spotify. Tanto faz se uma faixa foi lançada em março de 1967 ou ontem. No nosso mundo, o artista jovem enfrenta não só a concorrência dos seus contemporâneos, mas também a de todos que já passaram pela Terra.
“Ah, mas a música tem que retratar o seu tempo e local”. Em parte. Os sentimentos humanos se mantêm e as grandes obras permanecem. A prova está na sua playlist favorita . Aposto que ela está cheia de música feita por gente morta, idosa ou quase idosa. Whats Going On, Dreams, Born to Run, Common People, Charming Man, God Only Knowns, Life on Mars, Roll Over Beethoven (“Roll over Beethoven, Tell Tchaikovsky the news”, que verso!!!) são eternas e universais, mesmo criadas por artistas imersos de tempos e locais que já se foram.
Meu argumento é simples: cada geração que passa, o acumulado de músicas sensacionais cresce e o sarrafo daquelas consideradas realmente geniais vai subindo também. E essa é a razão pela qual fica cada vez mais difícil surgirem novos gênios.
A morte da música nova é um problema? Se você é um músico jovem quase genial, sim. Se você é ouvinte, ouça Pet Sounds mais uma vez e relaxe.
Créditos e comentários adicionais:
Escrevi o post a partir do ótimo papo com Diogo Costa (@dgrcosta). Ele fez um fio essencial sobre o assunto. Leiam:
A música está envelhecendo. Todo o crescimento recente dos serviços de streaming está vindo de canções de catálogo. Enquanto o consumo de lançamentos vem caindo, canções de catálogo bateram, nos EUA, 70% de todo o consumo de músicas.Estamos ficando mais saudosistas? Número de músicas que voltaram ao Top 100 da Billboard mais de 10 anos depois da primeira que entraram (O pico em 2016 decorre da morte do Prince) https://t.co/ATyVXDKhulLeonardo Monasterio @lmonasterioDepois da conversa, eu percebi que não preciso supor que músicas pop sejam um recurso não renovável. Meu argumento nada mais é do que uma aplicação de Rosen, S. (1981). The Economics of Superstars. A única mexida que eu fiz foi considerar que o superstar não precisa ser contemporâneo ao artista.
Li Rockonomics, o livro póstumo do gigante Alan Krueger e comentarei aqui na Bodega. Para minha surpresa, não encontrei o meu argumento lá.
Vitão continuaria sendo considerado ruim