Seres fictícios e a política industrial II: os unicórnios e Charlie Brown
Pobre Charlie Brown. A Lucy sempre o convence de que não vai mover a bola de futebol americano. Mesmo desconfiado, ele vai, corre e , claro, ela move a bola e ele passa vergonha. A relação dos brasileiros com a política industrial é mais ou menos a mesma. Apesar de todos os fracassos recentes, muitos acham que na próxima vez tudo vai dar certo.
A Falácia do Unicórnio de Michael Munger faz com que muita brasileiros ainda defendam a política industrial. O unicórnio é um ser mágico, maravilhoso, mas tem um problema: não existe. O estado com super habilidades também não. Munger propôs um teste: ao pensar em uma política governamental, substitua "governo" por "políticos que conheço, sujeitos a grupos de interesse que realmente existem”. Se a política ainda fizer sentido, é possível continuar a discussão.
Curiosamente, os mesmos que criticam o irrealismo da Teoria Econômica abandonam essa preocupação e montam no unicórnio do estado idealizado ao tratarem das políticas industriais. Esquecem que o estado brasileiro é muito menos capaz que o da Alemanha, da Coreia do Sul ou de outro país desenvolvido. Qualquer política pública deve levar em conta essa limitação.
A comparação da BBC com a "nossa" EBC ilustra bem as disparidades das capacidades estatais. A primeira é um patrimônio da humanidade; já a segunda, pagou R$ 3,1 milhões para a Record pela reprise da novela “Dez Mandamentos” (pelo visto, o 8o. mandamento não foi cumprido). Mesmo havendo bases teóricas para as políticas industriais, a mesma teoria abandona essa recomendação quando as instituições forem fracas e os lobbies, poderosos. Ou seja, a capacidade estatal é essencial para o sucesso das políticas industriais.
O tamanho ideal do Estado depende da sua capacidade. Quanto menos capaz mais ele deve se limitar àquilo que é essencial para o cidadão. Em vez de ter um programa espacial ou adivinhar qual setor deve ser privilegiado protegido, que tal saneamento básico para todos?
Nathaniel Leff, o grande estudioso da Economia Brasileira, lá em 1964 já percebia a importância dos governos dos países pobres se limitarem ao que realmente importa. Funcionários públicos capazes são um recurso muito escasso nos países pobres. Logo, devem alocados com cuidado.
1- Os melhores funcionários públicos devem estar nas áreas-chave para o desenvolvimento;
2- Evite regulamentar e intervir no que não precisa. Assim, você não precisará "gastar" funcionários bons em atividades que o mercado poderia resolver.
Existe um contra-argumento: “ah, mas as capacidades estatais podem ser criadas pela intervenção. Demora para construir”. Eu sinceramente gostaria que isso fosse verdade, mas não dá para negar a realidade. O que aconteceu nas últimas décadas? Apesar de todos os esforços e avanço da qualidade técnica dos servidores, os lobbies, corporações e grupos de interesse já estabelecidos agiram na direção contrária e dominaram a implementação de política industrial.
Isso mudar em um novo governo? Pode. Pode ser que unicórnios sejam descobertos tranquilamente voando pelo Brasil? Também pode, mas é bem improvável. O Charlie Brown sempre espera que a Lucy vai mudar.