Seres fictícios e a política industrial I: os golfinhos heróicos
Há náufragos que afirmam que golfinhos os empurraram para a praia mais próxima. Será que os golfinhos se importam com a nossa infeliz espécie? Não sabemos. Uns nos salvaram, mas outros talvez levaram náufragos para alto-mar. Náufragos mortos não falam e assim os golfinhos mantêm a boa reputação.
Os sucessos da política industrial são celebrados por todos: políticos, empresários beneficiados e economistas que as defendem. Já os fracassos são invisíveis. Eles submergem e vão sendo esquecidos. Por vezes, algum pesquisador os exuma e quase sempre conclui que faltou (ainda mais) auxílio do governo.
Os casos bem-sucedidos da política industrial não são argumento suficiente para sua defesa, tampouco o é a cartada "mostre-me um país que tenha ficado rico sem política industrial!". Esse é um argumento equivalente a "mostre-me um país que tenha ficado rico sem governantes ladrões!". Todo país rico teve governantes ladrões e todo país pobre também. Logo, governantes ladrões não podem ser a chave do desenvolvimento. Se você só considera os resgatados pelos golfinhos, não me surpreende que os tenha em alta estima.
Um argumento mais sofisticado diz que fracassos são normais; o importante é acertar em cheio de vez em quando. Esse ponto se sustenta quando: a) os acertos são de fato consideráveis; e b) a fala vem de um investidor anjo, usando seu próprio dinheiro e não de um gestor público, sem skin in the game, em um país no qual metade da população não tem saneamento apropriado. Erros têm custo. A política de informática dos anos 1980 foi demolidora para a produtividade nacional; o projeto do submarino nuclear brasileiro já ultrapassa quatro décadas, sugou dezenas de bilhões de reais e levou o almirante que o idealizou para a cadeia. Ainda não há sinal de submarino. Talvez esteja nadando com os golfinhos.
McCloskey e Mingardi publicaram o demolidor The Myth of the Entrepreneurial State. Recomendo fortemente.