Produtivismo às avessas
Quando publicar na American Economic Review não é o bastante para o CNPq
No distante ano de 2021, publiquei um texto na Piauí para participar de uma discussão que botava a culpa dos problemas da universidade brasileira no a) neoliberalismo e b) autoritarismo.
Especificamente sobre a bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq, eu escrevi:
Andrade [O autor do texto que começou a discussão] também critica a distribuição de bolsas de produtividade de pesquisa do CNPq. Seria a imposição de uma agenda produtivista individual, o neoliberalismo materializado. Nada mais distante da verdade. Também as bolsas de produtividade do CNPq foram distorcidas com o passar do tempo. Criadas como incentivo aos pesquisadores, os critérios foram contaminados para premiar dimensões não relacionadas à pesquisa. Existem áreas de avaliação do CNPq em que, por exemplo, ser diretor de faculdade, uma atividade de gestão universitária, conta para bolsa de produtividade em pesquisa.
Para os pedidos de bolsas de produtividade do CNPq é exigido um projeto de pesquisa. A avaliação é feita por pares que sabem o nome do pesquisador proponente, mas este não sabe o dos pareceristas. Com isso, abre-se a porta para critérios de avaliação difusos, idiossincráticos e que, de forma consciente ou não, viabilizam o compadrio, o privilégio de grupos e as trocas de favores. Um sistema mais enxuto de avaliação, baseado em medidas mais objetivas de produção científica dos pesquisadores, seria mais justo e eficiente.
Ao contrário do que crê Andrade, o verdadeiro regime de poder não está no produtivismo, mas na falta de critérios objetivos que amplia a ação dos professores dos centros de pós-graduação mais influentes
E aí chegamos a setembro de 2024 e eu fico sabendo que Gil Riella, professor titular da Economia da UnB, usou o espaço do seu currículo Lattes para fazer um desabafo. Leiam:
Não creio que tenha sido um problema pessoal em relação ao Gil Riella, a quem conheço apenas superficialmente. Certamente, não foi um caso único; já ouvi muitas reclamações vindas de pesquisadores que preferiram não se expor. Talvez o caso do Gil seja só uma versão mais extrema de algo crônico.
O fato é que o sistema de avaliação está quebrado. O Qualis/Capes de Economia foi distorcido a ponto de ter gerado a revolta da qual participei . Esses incentivos errados fazem com que, realmente, a quantidade de publicações em journals de pouco impacto valha mais do que publicações relevantes. Supostamente, ele não deveria servir para a avaliação de pesquisadores individuais, mas - como sabemos - isso acaba acontecendo.
Há bons argumentos contra a existência da bolsa de produtividade do CNPq. De fato, em um Brasil perfeito, os pesquisadores mais produtivos ganhariam salários maiores e bolsas teriam outros objetivos. Como isso não acontece, a bolsa era uma gambiarra voltada para incentivar e dar condições para os pesquisadores seguirem fazendo o seu trabalho.
O problema é que, cada vez mais, ela não cumpre nem mesmo esse papel1. Dado que a bolsa existe, eu repito aqui a minha sugestão de 2021 para tentar consertar os seus critérios de distribuição:
Distribuir as bolsas de produtividade em pesquisa com base – surpresa! – na produtividade em pesquisa. Idealmente, o sistema seria automático. Para isso, bastaria pontuar a produção acadêmica dos pesquisadores objetivamente, levando em conta os indicadores de impacto dos journals. Isso evitaria a multiplicação de publicações irrelevantes apenas para gerar uma linha adicional no currículo Lattes.
Não seria um sistema perfeito, mas certamente seria melhor do que o atual.
Dois pontos: a) aqui eu me refiro apenas à área de Economia. Sei que umas áreas têm problemas bem mais graves, enquanto outras, bem menos graves; b) eu tive a minha bolsa de produtividade renovada pelo CNPq em 2023. Obviamente, isso é irrelevante para a discussão.
Bom ver você publicando - pelo menos por aqui, já que estamos censurados no X!